Campanha e relatório da Rede Europeia Anti-Pobreza mostram que os números da pobreza têm vindo a aumentar – são já 1 em 5 pessoas no país em risco de pobreza ou exclusão social. Por isso, a organização lança uma campanha de sensibilização, um relatório sobre estes dados e uma publicação sobre a crise da habitação.
1 em cada 5 pessoas em risco de pobreza ou exclusão social em Portugal. São os números que a EAPN Portugal / Rede Europeia Anti-Pobreza sublinha no Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza com o lançamento da campanha #Reflete(-te).
Uma campanha que vai estar de norte a sul do país, numa “literal reflexão sobre as várias dimensões da pobreza”, refere a coordenadora nacional da organização, Maria José Vicente. A campanha consiste em vários espelhos com diversas mensagens, na primeira pessoa, sobre a pobreza e exclusão social.
Pretende-se refletir, assim, “sobre a relação e a necessidade de termos consciência de nós e dos outros enquanto o todo que partilhamos. Desde a perda do emprego à impossibilidade de comprar casa, de uma desestruturação familiar à saúde mental, na dificuldade em pagar despesas do dia-a-dia a despesas essenciais como educação ou saúde – todos nós podemos passar por isso um dia”, afirma a coordenadora nacional.
Miguel Januário, autor da campanha, diz que esta “procura colocar no próximo, no outro, a ideia de que estes também somos nós”. “Uma ideia de reflexão, de nos vermos naquelas situações descritas nos espelhos, mas também de refletir, pensar sobre estas situações, tão diversos e transversais a todos nós”, explica o criativo.
Onde não foi possível colocar espelhos, a EAPN Portugal criou cartazes com estas mensagens e com um novo desafio: #Foca(-te), pois é também “preciso focarmo-nos nestes problemas e nestas causas”, explica Miguel Januário. “É necessário focar nas várias dimensões da pobreza e refletir sobre o papel de cada um na luta contra este problema”, reafirma Maria José Vicente.
A organização desafia a que quem encontre espelhos ou cartazes com as várias mensagens tire uma fotografia e a partilhe nas redes sociais, para que estas frases possam chegar até mais pessoas.
“Eu também tenho o futuro hipotecado.”
“Eu também não consigo pagar a renda.”
“Eu também não tenho voz”.
“Eu também não sei como vai ser amanhã”
Estas são algumas das frases da campanha, baseadas em testemunhos de pessoas que vivem ou já viveram situações de pobreza e/ou exclusão social, ou seja, cidadãos que vivenciaram, na própria pele, estes episódios.
Conheça mais sobre a campanha clicando aqui.
Relatório aponta agravamento das condições de vida dos portugueses
A campanha da EAPN Portugal baseia-se, também, no Relatório Pobreza e Exclusão Social 2024 do seu Observatório Nacional de Luta Contra a Pobreza. Os dados demonstram um aumento de mais 20 mil pessoas em risco de pobreza ou exclusão social. No total, uma em cada cinco pessoas estão a passar por este tipo de situações – mais de 2 milhões de pessoas.
Dentro da pobreza, podemos ainda falar sobre pobreza monetária – pessoas que vivem com menos de 591€ por mês. Há, em Portugal, mais 85 mil pessoas, num total de 1 781 000. São quase uma em cada cinco pessoas, sendo a maioria mulheres (54%).
Para além de os dados serem referentes a 2023, é importante salientar que os rendimentos analisados reportam a 2022, fator que preocupa a organização por poder existir um ainda maior agravamento face à realidade atual de 2024.
No relatório, a EAPN Portugal destaca ainda que “o perfil social de vulnerabilidade acrescida ao risco de pobreza ou exclusão social em Portugal se mantém praticamente inalterado”. Ou seja, destacam-se os seguintes grupos sociais:
1) pessoas em situação de desemprego (59,2%);
2) arrendatárias/os com renda a preço reduzido ou gratuita (40,5%);
3) pessoas fora do mercado de trabalho (excluindo desempregadas/os e reformadas/os) (36,6%);
4) famílias monoparentais (compostas por um adulto e pelo menos uma criança dependente) (35,5%);
5) famílias unipessoais, designadamente, compostas por mulheres (31%) ou por mulheres ou homens com 65 anos ou mais (30,6%)
e 6) população estrangeira de nacionalidade extracomunitária (28,6%).
Este relatório espelha várias dimensões da pobreza sendo, uma das mais latentes as questões da habitação.
Habitação: passos para a inclusão
O acesso à habitação continua a ser um dos principais problemas das populações mais carenciadas e vulneráveis no nosso país e tem vindo a agravar-se.
“As medidas governamentais nestes últimos anos e nos diferentes Governos têm procurado atender ao problema, mas, apesar de todas as orientações europeias e nacionais, os resultados permanecem escassos e o acesso à habitação continua a ser um dos grandes obstáculos ao combate à pobreza e exclusão social em Portugal”. As palavras são retiradas do trabalho “Habitação: passos para a inclusão”, da EAPN Portugal, que vai ser apresentado já amanhã, dia 17 de outubro, no XVI Fórum Nacional, em Aveiro.
A publicação tem como objetivo dar visibilidade a várias vozes e preocupações de quem vivencia as situações de pobreza e o verdadeiro impacto da falta de condições de habitabilidade nas suas vidas. A sobrecarga com despesas relativas à habitação nos recursos disponíveis das famílias é particularmente preocupante devido à realidade recente que temos vivenciado em Portugal.
É assinada e criada por pessoas em situação de pobreza e exclusão social, membros dos Conselhos Locais de Cidadãos da EAPN Portugal. “Em Habitação: Passos para a Inclusão, cada fotografia (tirada pelas próprias pessoas) evoca imagens e significados que ilustram, de forma por vezes dramática, as condições em que habitam, nos dias de hoje, vários cidadãos em todo o país. Convidamos, pois, a mergulhar na leitura desta publicação e a entrar na realidade do outro, conhecendo e sentindo as perceções e sentimentos de quem vive o “drama” da habitação, por vezes na sua forma mais indigna, mas também os seus contributos para que se combatam as vulnerabilidades existentes e se coloque o Direito à Habitação no foco da intervenção social e sobretudo da ação política!”, refletem os membros deste Conselho.
EAPN Portugal afirma que a luta contra a pobreza é uma escolha política
Tal como refere nesta recente publicação, para a Rede Europeia Anti-Pobreza a participação é essencial. Também a sua Mensagem sobre o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza reflete sobre a necessidade de construir “uma sociedade inclusiva que coloca as pessoas no centro da tomada de decisões”. “Precisamos de políticas sólidas que atuem na prevenção das situações de pobreza, eliminem as suas causas estruturais e que promovam o bem-comum”, afirma a organização.
“São definidas estratégias, políticas e medidas, mas os números da pobreza pouco variam e multiplicam-se as vulnerabilidades. As pessoas sentem-se esquecidas e diminuídas nas suas dificuldades”, refere a EAPN Portugal.
No Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, a EAPN Portugal reforça o apelo para um novo paradigma social que invista no bem-estar de todas as pessoas, na igualdade de acesso de todos a bens e serviços, na equidade e justiça social.
“A pobreza não é só uma violação grave dos direitos humanos. Gera, também, um efeito negativo na economia e no desenvolvimento sustentado do país, acentuando as desigualdades e constituindo, assim, um travão ao progresso. Lutar contra a pobreza nas suas causas beneficia a sociedade como um todo”. E esta luta é, também, uma escolha política, refere a organização.